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Corretagem de seguros e comissão contingente

Os corretores de seguros desempenham um papel fundamental na intermediação de seguros entre as seguradoras e os clientes. A remuneração desses profissionais pode variar de acordo com diferentes modelos — que, por sua vez, são influenciados pelo mercado, pelo tipo de seguro, e pelas práticas específicas de cada seguradora.


Tradicionalmente, os corretores são remunerados por meio de comissões, que correspondem a uma percentual do prêmio pago pelo segurado. Esse percentual pode variar consoante o tipo de seguro e as nuances da contratação entre as partes.


Além das comissões regulares, os corretores de seguros eventualmente podem receber uma remuneração adicional por atingirem objetivos específicos de vendas ou de retenção de clientes, definidos pelas seguradoras.


A chamada “comissão contingente” é uma forma de remuneração extra baseada no cumprimento de objetivos que vão além da venda de apólices. Esses objetivos geralmente incluem: i) aumentar o volume total de vendas de seguros dentro de um período específico, frequentemente estipulado por ano; ii) manter um certo nível de retenção de clientes ou renovações de apólices, demonstrando que a corretora não apenas atrai novos clientes; e, em alguns casos, iii) a rentabilidade das apólices vendidas, com seguradoras avaliando se as apólices geram lucro, considerando a relação entre prêmios recebidos e sinistros pagos. Adicionalmente, indicadores de satisfação do cliente e a qualidade no serviço prestado também podem influenciar o pagamento de comissões contingentes.


Embora esteja sendo mais aplicada nos últimos anos, especialmente em grandes operações de seguros massificados, pairam algumas dúvidas sobre a legalidade da prática da comissão contingente (por vezes mencionada como “remuneração adicional”) no Brasil. O presente artigo tem como escopo analisar os principais contornos desse importante tema.


Remuneração do corretor de seguros


Um conjunto de normas legais e infralegais tratam da corretagem de seguros e, ainda que lateralmente, da remuneração do corretor. São elas: o Código Civil; a Lei nº 4.594/1964, que regula a profissão de corretor de seguros; o Decreto Lei nº 73/1966, que dispõe sobre o SNSP (Sistema Nacional de Seguros Privados) e regulamenta as operações de seguros; o Decreto n° 60.459/1967 (que regulamenta o Decreto-Lei nº 73/1966); e o Decreto nº 56.903/1965, que regulamenta especificamente a profissão de corretor de seguros de vida e de capitalização.


Dentre as normas infralegais, pode-se citar a Circular Susep nº 510/2015, que aborda a atividade de corretagem de seguros; a Resolução CNSP nº 382/2020, que versa sobre princípios a serem observados pelos intermediários nas práticas de conduta; e, em caso de inobservância de normas regulatórias, a Resolução CNSP nº 393/2020, que dispõe sobre sanções administrativas.


Sem a pretensão de examinar cada uma das referidas fontes normativas, o Código Civil, em seus artigos 725 e 728, dispõe, de forma geral, acerca da remuneração proveniente de uma relação baseada no contrato de corretagem – independentemente de ser na intermediação de seguros. Esta deve ser paga ao corretor quando:

i) este conseguir o resultado da contratação, ou,
ii) mesmo quando não conseguir, se a contratação não ocorrer porque as partes se arrependeram da contratação.


A Lei nº 4.594/1964, específica para os corretores de seguros, estabelece outros requisitos para o pagamento da comissão de corretagem, quais sejam:
i) o corretor estar devidamente habilitado para o exercício da profissão, com cadastro ativo perante a SUSEP; e
ii) o corretor ter assinado a proposta, que deve ser encaminhada às seguradoras, na forma dos artigos 13, caput e 14 da referida lei.


O Decreto-Lei nº 73/1966, o Decreto nº 60.459/1967 e o Decreto nº 56.903/1965, que regulam o DL nº 73/1966, repetem esses mesmos requisitos. Entretanto, por conta também de alteração legislativa por meio da Lei nº 14.430, de 2022, o atual artigo 124 do Decreto-Lei nº 73, de 1966, prevê que “as comissões de corretagem somente poderão ser pagas a corretor de seguros devidamente habilitado e deverão ser informadas aos segurados quando solicitadas”.


Retornando ao âmbito da Lei nº 4.594/1964, relativamente recente alteração legislativa, implementada pela Lei nº 14.430/2022, traz interessante ponto para este estudo. Na forma como redigido originalmente, o artigo 1º da Lei nº 4.594/1964 apresentava apenas o caput, em que é disposto:


“O corretor de seguros, seja pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros, admitidos pela legislação vigente, entre as Sociedades de Seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado.”


Por esta aproximação, relacionada à angariação e promoção de contratos de seguros, o corretor fazia jus à comissão de corretagem, prevista no artigo 13, caput, da Lei nº 4.594/1964. Entretanto, após a entrada em vigor da Lei nº 14.430/2022, em 03/08/2022, outras tantas atribuições foram impostas ao corretor, de modo que, no fim do dia, por todas elas cabe ele ser remunerado.


São elas:


“Parágrafo único. São atribuições do corretor de seguros:
I – a identificação do risco e do interesse que se pretende garantir;
II – a recomendação de providências que permitam a obtenção da garantia do seguro;
III – a identificação e a recomendação da modalidade de seguro que melhor atenda às necessidades do segurado e do beneficiário;
IV – a identificação e a recomendação da seguradora;
V – a assistência ao segurado durante a execução e a vigência do contrato, bem como a ele e ao beneficiário por ocasião da regulação e da liquidação do sinistro;
VI – a assistência ao segurado na renovação e na preservação da garantia de seu interesse.”

Legalidade da comissão contingente


Segundo o relatório “A Prática na Atividade dos Intermediários de Seguros no Mercado Americano”, [1] a comissão contingente trata-se de “uma prática estabelecida legalmente na indústria já há muitos anos, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo” e consiste em pagamentos feitos aos corretores, para além da comissão por aproximação das partes do negócio, que estão vinculados a “uma variedade de fatores, tais como, o volume de negócios, de negócio novo gerado, de negócio existente retido, e da experiência de resultado do negócio colocado na seguradora”, “sendo impossível determinar, com correção, a parcela de uma comissão contingente atribuída a um cliente ou a um risco em particular”.


Após exame detido das normas mencionadas anteriormente, bem como do ordenamento jurídico como um todo, é possível concluir que, atualmente, não existem limitações legais ou regulatórias específicas que proíbam o pagamento de comissão contingente no Brasil.


Em termos de direito a ser constituído, a possibilidade de instituição da comissão contingente ganhou ainda mais força recentemente. Isso porque foi retirada do PL 29/2017, aprovado pelo Senado no dia 18/06/2024, a aparente vedação do pagamento desta comissão, antes disposta no artigo 43, § 1º do PL. [2]


Este texto recebeu emenda do senador Jader Barbalho, relator do projeto de lei no Senado, que removeu o parágrafo único do referido artigo 43, convertido ao artigo 40 no texto da emenda, expressamente mencionando que a mudança visa a manter a possibilidade de “participações contingentes” serem pagas ao corretor. A justificativa do relator foi a seguinte:


“Suprimimos o § 1º do artigo 43. Embora o propósito do dispositivo seja digno de nota — evitar conflito de interesses entre segurados e corretores, que assumem cada vez mais o papel de assessores do segurado —, a vedação absoluta de participações contingentes pode ser danosa para o mercado, prejudicando a corretagem em seguros massificados. Melhor é, na linha do que se pratica no mercado europeu, a punição dos casos excepcionais em que se comprova o conflito de interesses do corretor em função da chamada comissão contingente, em vez da vedação geral.” [3]


De fato, uma proibição genérica seria desaconselhável, especialmente em um país que tem baixa penetração de seguros, inclusive por falta de adequada cultura securitária, e precisa de mais profissionais atuando como corretores de seguros.


Por outro lado, não se pode perder de vista que a forma como essa comissão contingente é implementada na prática deve ser cuidadosamente considerada. Por exemplo, utilizar a rentabilidade da carteira e o número de sinistros como critérios pode ser problemático do ponto de vista do tratamento adequado ao cliente e da mitigação de possíveis conflitos de interesse, nos termos da Resolução CNSP n° 382/2020 (que dispõe sobre princípios a serem observados nas práticas de conduta adotadas pelas seguradoras e intermediários). [4]


Critérios para implementação apropriada


Para garantir uma implementação adequada da comissão contingente, as corretoras de seguros e seguradoras devem ao menos assegurar que:
i) a remuneração seja informada aos segurados sempre que solicitada; e
ii) os critérios adotados para o pagamento da comissão contingente sejam definidos de maneira a não criar potenciais conflitos de interesse, de modo que as recomendações aos segurados sejam baseadas exclusivamente nas necessidades deles, e não influenciadas pela potencial rentabilidade para o corretor ou para a seguradora.


Medidas recomendadas para mitigação dos riscos


Entre outras medidas, é recomendável que as cláusulas contratuais referentes ao pagamento da comissão contingente no contrato entre a seguradora e a corretora sejam redigidas de forma clara e objetiva, estabelecendo critérios específicos e prazos para o pagamento.


Além disso, preocupações sobre transparência e conflitos de interesse podem ser minimizadas se a corretora e/ou seguradora incluir em seu site uma seção que informe, de maneira geral, sobre suas práticas de remuneração, incluindo a “comissão contingente” (ou “remuneração adicional”). [5]


Conclusão


A prática da comissão contingente, como forma adicional de remuneração dos corretores de seguros, tem-se tornado cada vez mais comum, sobretudo nas operações de maior escala nos seguros massificados. No entanto, essa prática, embora permitida, não é isenta de controvérsias e desafios na sua implementação.


A ausência de proibição explícita nas normas vigentes e, até onde vai a vista, de punições em âmbito judicial ou administrativo não elimina a necessidade de cuidados específicos na aplicação desse tipo de comissão.


Portanto, os corretores e seguradoras devem observar os princípios da transparência e evitar potenciais conflitos de interesse na definição dos critérios para o pagamento de comissões contingentes.


Além disso, com a tramitação do Projeto de Lei nº 29/2017 (que retornou à Câmara sob o número 2.597/2024), é importante ao leitor manter-se atualizado sobre quaisquer mudanças legislativas e/ou regulatórias que possam afetar a regulação das comissões contingentes no setor de seguros. A recente alteração que permite a continuação das “participações contingentes” reforça a necessidade de uma abordagem equilibrada que tenha em conta tanto a competitividade do mercado como a proteção dos consumidores.

________________
[1] Tradução do relatório Background on Insurance Intermediaries, divulgado pelo Insurance Information Institute de Nova York. Disponível em: http://www.siscorp.com.br/intermediarios_usa.asp. Acesso em 02/07/2024.
[2] Veja-se: “Art. 43. Pelo exercício de sua atividade o corretor de seguro fará jus à comissão de corretagem. § 1º O corretor de seguro não pode participar dos resultados obtidos pela seguradora.”
[3] Conforme documento P.S 11/2024 – CCJ, de autoria da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Jader Barbalho (MDB/PA), Senador Davi Alcolumbre (UNIÃO/AP), de 10/04/2024. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128831. Acesso em 03/07/2024.
[4] Segundo o art. 4º da Resolução CNSP nº 382/2020: “[a] relação entre o ente supervisionado e o intermediário não deve prejudicar o tratamento adequado do cliente, devendo ficar claro para os clientes qualquer conflito de interesses decorrente desta relação”.
[5] Já existem exemplos no mercado, incluindo pelo menos uma corretora e uma seguradora, que adotaram essa prática no Brasil.


Thiago Junqueiraé doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Universidade de Coimbra, professor convidado da FGV Direito Rio, da FGV Conhecimento e da Escola de Negócios e Seguros, diretor de Relações Internacionais da Academia Brasileira de Direito Civil. Advogado e sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.