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Qual o papel do seguro na recuperação dos produtores rurais do Rio Grande do Sul?

Especialistas comentam quais medidas já anunciadas pelo governo realmente contribuem e quais ainda necessárias


Já se passaram alguns meses das enchentes históricas que atingiram o Rio Grande do Sul, deixando quase todo o estado debaixo d’água e resultando em perdas para diversos setores da economia gaúcha.

Um dos mais prejudicados foi a produção agropecuária, que pode levar até uma década para voltar a ter as mesmas condições produtivas diante dessa catástrofe, estimam especialistas. “Desde que tenha todo o investimento necessário”, aponta Guilherme Rios, assessor técnico da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária).


Segundo Rios, as medidas mais eficazes para a recuperação dos produtores rurais do estado – em sua maioria, formada por pequenos – são financeiras. A reivindicação dos produtores, conta o assessor técnico, envolve “medidas mais amplas para renegociar e prorrogar dívidas”.


O governo federal vem anunciando iniciativas neste sentido. A mais recente delas foi a resolução publicada neste mês pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que autoriza as instituições financeiras a prorrogarem as parcelas das operações de crédito rural de custeio, investimento e industrialização para produtores do Rio Grande do Sul afetados pelas enchentes ocorridas neste ano.


Outra medida importante foi a publicação da Resolução nº 101, do Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural, no fim de julho, que altera a distribuição do orçamento de R$ 1,15 bilhão do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) para o exercício de 2024. Do total disponibilizado, R$ 210 milhões foram destinados para aplicação exclusiva no Rio Grande do Sul, para apoiar a contratação de aproximadamente 31 mil apólices que irão beneficiar cerca de 22 mil produtores, em uma área segurada de 1 milhão de hectares e um valor total segurado de R$ 9,5 bilhões, informou o Ministério da Agricultura.


A medida também eleva o percentual de subvenção ao prêmio (valor pago à seguradora para comprar o seguro) para a cultura da soja, passando de 20% para 30% nos municípios em estado de emergência e 40% nos municípios em estado de calamidade. Para as demais atividades, o percentual de subvenção ao prêmio subiu de 40% para 50% nos municípios em estado de emergência e 60% nos municípios em estado de calamidade. Essas condições devem vigorar até dezembro de 2024.


Na avaliação de Rios, “ainda que o seguro não pudesse evitar essa catástrofe, com certeza ajudaria o produtor a atravessar esse momento delicado com mais tranquilidade. Vimos muitos produtores solicitando renegociação e prorrogação das dívidas. Caso eles tivessem contado com um seguro no ano passado ou até no começo deste ano, o seguro em condições adequadas conseguiria dar conta pelo menos dessas operações”. Mas ele frisa: pela dimensão da catástrofe só o seguro não seria suficiente para recuperar tudo.


Quanto ao valor “extra” liberado, o assessor da CNA explica que é um recurso aguardado e bem-vindo, mas o volume ainda não é suficiente para alcançar o recorde do estado, registrado em 2021, quando 27 mil produtores conseguiram segurar suas produções. Além disso, era esperado uma suplementação ao programa de subvenção do seguro “para todas as regiões do país”, uma vez que para ser efetivo, é necessário “diluir o risco ao longo de todo o país”.


Ou seja, se apenas uma região contratar e usar a proteção, e essa região sofrer uma catástrofe, as próximas contratações ficarão muito mais caras ali. Fora a preocupação com a possibilidade de mais cortes nos recursos já previstos – que já costuma receber verbas mais baixas do que as consideradas adequadas pelo setor. “Será que em 2024 vai ser o terceiro ano com redução de área coberta [pelo seguro]? Principalmente agora num cenário de adversidades climáticas”, questiona Rios.


Impactos


Levantamento divulgado pela CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras) no início de agosto mostra que já foram solicitadas mais de 2,1 mil indenizações de seguro agrícola na região, somando cerca de R$ 178 milhões a serem pagos pelas seguradoras do ramo aos produtores locais segurados.

Na avaliação de Glaucio Toyama, presidente da comissão de seguro rural da FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais), o gap de seguros no mercado brasileiro é muito alto e chega aos 90% no país, caindo para 85% no Rio Grande do Sul. Isso significa que somente 15% dos produtores rurais contam com alguma proteção de seguro na região. E o problema maior – ou melhor, a falta de cobertura – foram os “efeitos secundários”, afetando principalmente estoques e patrimônios rurais, como maquinários e galpões, danificados por ficar muito tempo debaixo d’água. Ele conta que muitos não estavam cobertos por seguros.


Outro segmento bastante afetado, mas com pouca proteção securitária foi a pecuária. “A penetração de seguro na pecuária é baixa, inferior a 3%”, diz Toyama.


Já a agricultura e a fruticultura também foram impactadas, contudo, são produções que já costumam contar mais com o seguro.


O representante da Fenseg conta que o efeito foi menor em cultivos como o de soja e milho, porque “as áreas de soja estavam de 60% a 80% já colhidas (dependendo da microrregião)”. O cultivo de arroz, cujo estado é um grande produtor, teve mais impacto. “A sinistralidade foi maior, mas as indenizações já foram praticamente liquidadas em ambas as culturas”, ressalta. Na fruticultura, ele conta que o efeito principal foi a erosão de solo.


E o futuro?


Segundo os especialistas consultados pelo InfoMoney, há alguns caminhos que podem ser seguidos. O principal, mas não o único, é colocar para funcionar o Fundo de Catástrofe, criado por lei em 2010 justamente para socorrer produtores rurais afetados por eventos climáticos. Para sair do papel de fato, o fundo precisa ser regulamentado. Já existe proposta nesse sentido: o projeto de lei 2951/2024, apresentado pela senadora Tereza Cristina (PP/MS), que contou com contribuições tanto da CNA quanto das seguradoras, diz Guilherme Rios. A proposta aguarda votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.


Segundo Glaucio Toyama, outras soluções consideram o aumento da verba destinada ao PSR (pulando do pouco mais de R$ 1 bilhão liberado hoje para pelo menos o dobro), além da repaginação da oferta de crédito rural para alinhar a critérios sustentáveis e mitigação de risco.


Existem também ferramentas de modelagens de riscos catastróficos já utilizadas amplamente em vários países do mundo, que avaliam a exposição geográfica considerando diversas camadas de riscos inerentes a determinada região (como alagamento, vendaval, granizo, seca, etc.). São ferramentas que conseguem simular as perdas máximas conforme a severidade desses eventos climáticos, além de prever a frequência com que esses riscos podem ocorrer.


São modelos que se concentram em eventos hidrometeorológicos, como inundações e tempestades, cobrindo várias regiões, desde a Europa até a Ásia e a América do Sul. Eles podem ser utilizados, basicamente, de três formas:


• Por seguradoras, para avaliar o risco de seus portfólios e definir preços adequados para os seguros comercializados aos clientes;
• Por governos, para planejar ações de prevenção e resposta a desastres naturais;
• Por empresas, para avaliar o risco de seus ativos e operações em diferentes regiões.


De acordo com Pedro Farme, presidente da corretora de resseguros Guy Carpenter, o uso de uma ferramenta de modelagem de risco catastrófico poderia ter contribuído para reduzir os danos e diminuir o tempo de recuperação de determinada região após a ocorrência de um evento catastrófico, a exemplo do que houve no Rio Grande do Sul. A empresa acaba de lançar uma ferramenta de modelagem específica para alagamentos desenhada para considerar as características do território brasileiro.


Para Farme, ao conseguir prever o tipo e a volumetria de um dano ao qual determinada região está exposta é possível montar mecanismos para propiciar um tempo de resposta e uma recuperação mais curtas após a ocorrência do evento climático. “A recuperação [gaúcha] está longa porque as medidas de pós-evento não estavam dimensionadas para o tamanho do evento que foi. Se eu passo a entender que tem uma possibilidade de um evento tão grande lá na frente, dá para ter reguladores, disponibilidade de crédito, linhas emergenciais, fundos catastróficos, incentivos e verbas de recuperação mais quantificadas e calibradas para o possível evento do que o que temos hoje”, aponta.


O uso de modelagem de riscos catastróficos poderia também ajudar a dimensionar o tamanho adequado dos recursos do Fundo de Catástrofe em debate no Congresso, além de ajudar com mais precisão o PSR a direcionar a subvenção para “áreas de mais risco é necessária uma penetração de seguro mais alta para que a resiliência desse pequeno agricultor seja melhor”, acrescenta o executivo.


Fonte: InfoMoney